No passado dia 9 de julho, a Direção Geral da Saúde, no âmbito do Programa Nacional de Alimentação Saudável, lançou um documento único até então e desde já muito apreciado - as Linhas Orientadoras para uma Alimentação Vegetariana Saudável.
Como prometido aqui no blog, irei apresentar um resumo de alguns dos seus componentes, com vista a uma simplificação da sua linguagem, ao destaque de pontos mais importantes e à tradução prática destas recomendações.
Resumo da história da Alimentação Vegetariana
A alimentação vegetariana é conhecida desde os tempos da Grécia Clássica. A opção por
este modo de comer tem sido determinado por motivos religiosos, por questões de saúde e por questões filosóficas, em particular sobre a relação dos seres humanos
com os outros animais.
Um dos mais famosos precursores da alimentação vegetariana na Europa foi Pitágoras de
Samos, que no século VI a.C., fundou uma comunidade de matemáticos místicos que, dizia-se,
“observavam a proibição de comer animais pois consideravam-nos como tendo o direito de
viver em comum com a humanidade”. Outros pensadores da Grécia clássica como Plutarco
escreveram sobre o consumo de carne ou a sua abstinência. No caso de Plutarco, no seu texto
De esu carnium (Sobre o
consumo de carne), verifica-se uma apologia da alimentação vegetariana, assente no
reconhecimento de que os animais possuem inteligência e imaginação. O interesse na
proibição proposta por Pitágoras foi renovado posteriormente por filósofos neoplatonistas
pagãos que buscavam a purificação da alma, ideal que persistiu pelo menos até início do
século XIX. Uma explicação do vegetarianismo pitagórico e das crenças de alguns pensadores
gregos da antiguidade clássica era o facto de acreditarem na transmigração das almas ou
metempsicose das almas. Durante a Idade Média e início do
período moderno ser “vegetariano” era sinónimo de ter a crença pagã na migração das almas,
considerada uma heresia. Esta situação, a par da escassez e necessidade de carne ao longo
deste período, fez com que os seus seguidores praticamente desaparecessem.
A redescoberta dos autores gregos clássicos durante o Renascimento e principalmente a partir
do século XVI, renova o interesse na noção de que os animais eram sensíveis à dor e, portanto,
eram merecedores de consideração moral. Diversos pensadores como o Veneziano Luigi, Erasmo ou
Thomas More escreveram sobre o bem-estar dos animais, recusando o consumo
de carne ou denunciando as práticas de maus tratos a animais. Mas é no século XVII que se
sedimentam os movimentos a favor de uma alimentação vegetariana, tendo por base aspetos
religiosos, filosóficos e morais contra o sofrimento dos animais. No século. XIX, com o advento
do movimento romântico e perspectiva humanista associada, o poeta Shelley, que adere ao
vegetarianismo em 1812, acrescenta uma dimensão política à causa do vegetarianismo,
apontando o uso ineficiente dos recursos e a produção e distribuição desigual de carne como
uma razão para a escassez de alimentos entre os mais necessitados na sociedade. O ano de
1809 marca o início de um movimento, dentro de uma ramificação da igreja Inglesa, em
direção ao vegetarianismo como uma expressão da fé cristã. A Igreja Bíblia Cristã é fundada
em Salford em 1809 e o reverendo William Cowherd identifica diversas
referências bíblicas contra o consumo de carne. Em 1850, parte deste movimento cria a
Sociedade Vegetariana Norte-americana. Os movimentos cristãos mais radicais dão um grande
ímpeto ao movimento vegetariano neste período, tanto em Inglaterra como nos Estados
Unidos da América. Entre eles, a Igreja Adventista do Sétimo Dia. Um dos seus membros mais
famosos é John Harvey Kellogg, pregador e inventor dos populares cereais de pequeno-almoço
e de todo um modo de comer e viver sem carne.
Em Portugal e no início do século XX, registou-se, na cidade do Porto, um primeiro movimento
a favor da alimentação vegetariana, liderado por Ângelo Jorge. Nesta altura,
é fundada a Sociedade Vegetariana de Portugal, que entre outras atividades se dedicaria à
propaganda do naturista e à divulgação do vegetarismo, da educação física, da higiene e cura
naturais. Nestes primórdios do movimento vegetariano em Portugal, um dos seus principais
impulsionadores defende a alimentação frugívora, considerando “que se os
homens voltarem a ser frugívoros a questão social será resolvida”; e em “Irmânia”, a utopia
inventada pelo autor, ele tenta provar o seu ponto de vista, colocando em confronto os males
da civilização moderna, carnívora por excelência, com a beleza, o pacifismo, a sageza e a vida
fácil dos frugívoros.
No século XX e progressivamente, para além das questões morais e religiosas, o consumo de
uma alimentação vegetariana passa a estar associado, cada vez mais, a um discurso de
proteção ambiental e da biodiversidade, do bem-estar dos animais e fundamentalmente pelas
questões de saúde associadas ao consumo de produtos de origem vegetal, que abordaremos
em maior detalhe.